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25 de out. de 2022

É POSSÍVEL GANHAR NO MERCADO FINANCEIRO?


Muitas pessoas se questionam se o homem realmente foi até a Lua, mas poucas se questionam se é possível ganhar no Mercado Financeiro. Isso acontece porque é fácil perceber a dificuldade para ir à Lua. Se disparar um tiro para cima na direção Lua, o projétil nem sequer chega perto do alvo e começa a cair. Um tiro de um rifle ou de uma AR-15, que estão entre as armas mais potentes, chega a 1.200 m/s. Uma Swift ou uma Ruger pode disparar a 1.800 m/s, e com isso o tiro chega a mais de 10 km de altitude, mas a Lua fica a 384.400 km.

 

Essa comparação já deixa claro que chegar à Lua num veículo é uma proeza muito difícil. Por outro lado, o desafio de desenvolver uma estratégia eficiente para operar no Mercado não é percebido em seu correto nível de dificuldade. A maioria das pessoas subestima, em muitas ordens de grandeza, o quanto é difícil, complexo e raro ganhar consistentemente com investimentos.

 

Em algumas atividades é possível perceber visualmente a dificuldade, como saltar 2,40 m de altura ou fazer determinadas acrobacias em artes marciais ou em ginástica olímpica, mas em atividades intelectuais nas quais não existe um processo visível associado, é muito mais difícil avaliar corretamente a dificuldade, por isso há um número tão grande de pessoas iludidas com a crença de que qualquer fundo de investimento seria capaz de entregar lucros consistentes a seus clientes, quando na verdade são pouquíssimos fundos no mundo que conseguem isso.

 

Todos os anos cada um dos grandes bancos abre dezenas ou mesmo centenas de novos fundos de investimento e encerram outros tantos. O Itaú existe desde 1945, o Bradesco desde 1943, mas os fundos oferecidos aos clientes apresentam históricos de apenas 1 ano, 2 anos, no máximo 3 anos. O que aconteceu com os fundos mais antigos? Por que bancos com 80 anos de existência não possuem fundos com histórico de 75 anos? Ou pelo menos históricos de 50 anos, 20 anos ou sequer 10 anos? São bancos multibilionários, com recursos para contratar excelentes profissionais, equipá-los com tecnologias de ponta, mesmo assim os fundos desses bancos quebram um atrás do outro.

 

Se as pessoas tivessem uma ideia mais clara sobre a real dificuldade para desenvolver uma estratégia realmente vitoriosa para operar no Mercado, elas se perguntariam se existe alguma estratégia capaz de cumprir essa função. Mais do que isso: se questionariam se é matematicamente possível ganhar com investimentos.

 

Todos os grandes empreendimentos humanos, como a construção das grandes pirâmides de Gizé ou a viagem à Lua, só se tornaram realidade porque, embora fossem muito ambiciosos e muito difíceis, estavam dentro dos limites do que pode ser realizado. Mas nem sempre é assim. Alguns projetos não podem ser realizados porque esbarram em impedimentos lógicos, matemáticos ou físicos. Quando isso acontece, não importa quanto tempo e esforço são aplicados, não há como torná-los realidade. Não se pode mudar o valor de 𝜋, por exemplo, nem se pode construir quadrados com 5 lados, porque há impedimentos lógicos e matemáticos. Em outros casos, há impedimentos físicos: transformar chumbo em ouro pela adição de mercúrio e enxofre, como tentavam fazer os alquimistas, não é possível por violar “leis físicas”, assim como não é possível alcançar a imortalidade bebendo algum elixir mágico.

 

O sonho da imortalidade e da produção de ouro são possíveis, mas não da maneira como os alquimistas pensavam. São possíveis por meio da Ciência, através de métodos muito diferentes dos que eles imaginavam, com ferramentas muito diferentes e com base em princípios e conceitos muito diferentes. Atualmente sabemos como se pode transformar chumbo em ouro, em aceleradores de partículas, e sabemos que o custo desse processo é muito maior do que a pequena quantidade de ouro produzida, não havendo vantagem comercial nem interesse comercial nessa produção, mas há interesse no conhecimento associado a esse processo, que serve a numerosas outras finalidades. Portanto existem projetos que não podem ser realizados por determinado método ou com determinados recursos (transformar chumbo em ouro, misturando chumbo com mercúrio e enxofre), mas podem ser realizados por métodos adequados e com recursos adequados.

 

Há uma lenda chinesa sobre um mandarim chamado Wan Tu ou Wan Hu, que supostamente teria viajado até a Lua sentado numa cadeira impulsionada por foguetes. Algumas fontes dizem que isso teria ocorrido em 2000 a.C., outras situam o acontecimento em 1600 a.C., outras dizem que foi em 1000 d.C.

 

Sabemos que a pólvora não era conhecida na Antiguidade, sendo que os primeiros registros sobre seu uso datam de 808 d.C., por isso é provável que a versão com alguma chance de ser datada corretamente é a de 1000 d.C. Independentemente de quando essa lenda surgiu, sabemos que ela não tem correspondência com fatos históricos, mas faremos uma breve análise, para não descartá-la de forma leviana, sem antes verificar sua plausibilidade.

 



 

Uma cadeira típica moderna tem assento com cerca de 40 cm x 50 cm, e um rojão moderno tem cerca de 2,5 cm de diâmetro. Cada rojão com esse diâmetro tem capacidade para impulsionar um projétil de 50 g a uma velocidade inicial de 40 m/s. Naquela época, a pólvora estava contaminada com maior porcentagem de impurezas, portanto era menos eficiente, mas vamos supor que fosse tão boa quanto a pólvora moderna. Sob o assento de uma cadeira com 40 cm x 50 cm é possível colocar 352 rojões de 2,5 cm de diâmetro. Se colocasse também rojões em todo o perímetro externo, caberiam mais 72.

 

Mas na ilustração acima, os rojões estão numa plataforma bem maior que o acento da cadeira. Digamos que seja uma plataforma com 90 cm x 90 cm, então caberiam 1450 rojões por baixo e 288 no perímetro, totalizando 1738, que coincidentemente é o tamanho da raio da Lua em quilômetros (1738 km). Somando os pesos dessa plataforma, da pessoa, da cadeira e dos foguetes ultrapassaria 150 kg. Com essa configuração, os foguetes poderiam impulsionar o artefato com uma velocidade de lançamento de menos de 30 m/s, subindo poucas dezenas de metros antes de cair de volta no solo. A altitude exata dependeria da forma da pessoa, da cadeira etc., que determinariam o coeficiente aerodinâmico da estrutura, e dependeriam de quanto tempo duraria a pólvora durante o impulso de subida e da variação nesse impulso conforme a pólvora fosse terminando.

 

Seria mais difícil chegar à Lua com um projeto desses do que acertar um tiro de carabina na Lua, ou mesmo lançar uma flecha na Lua. Isso sem contar outros problemas, como a falta de estabilidade e dirigibilidade no voo, o sobreaquecimento, a intoxicação pela fumaça, a ausência de ar para respirar na maior parte da trajetória etc. Portanto essa é uma alegoria bastante ingênua e que poucas pessoas levariam a sério nos dias de hoje, porém as mesmas pessoas que encarariam com ceticismo – e até mesmo com sarcasmo – a lenda do chinês que foi à Lua montado numa cadeira impulsionada por rojões, acreditam em lendas igualmente bizarras sobre traders que afirmam ganhar consistentemente no Mercado Financeiro com métodos igualmente primitivos.

 

FATOS SURPREENDENTES SOBRE GEOMETRIA E OTIMIZAÇÃO

 

Alguns parágrafos acima, comentamos que seria possível colocar 352 rojões de 2,5 cm de diâmetro sob o assento de uma cadeira medindo 40 cm x 50 cm. O cálculo para determinar corretamente esse número de rojões pode parecer trivial, mas na verdade é extremamente difícil e complexo. Para se ter uma ideia da dificuldade, foi somente em 1963 que o matemático Ronald Lewis Graham – distinguido com os prêmios Pólya, Steele, Nathional Academy of Science – encontrou a solução para o caso com 6 rojões (6 círculos). No ano seguinte, o matemático Jonathan Schaer encontrou as soluções para 7 e 8 círculos e provou que a solução que se acreditava ser a melhor para 9 círculos era de fato correta. Já se suspeitava que a solução para 9 fosse aquela, mas não se tinha certeza, e esse tipo de incerteza se revela importante quando se considera os casos como o de 49 círculos, por exemplo, como veremos adiante, porque a solução intuitiva para 49 círculos é incorreta.

 

No caso de 10 círculos, somente em 1990 o matemático Cornelis de Groot encontrou a solução ótima. Com os avanços na Ciência da Computação, em processos de otimização e Inteligência Artificial, muitas outras soluções foram encontradas nos anos seguintes, mas é interessante notar que em 1969 o homem já havia ido à Lua, mas ainda não havia resolvido o problema de como colocar 10 círculos dentro de um quadrado. Por aí se pode perceber que a solução para 352 círculos não é tão simples quanto parece.

 

Por isso achei que seria interessante, antes de prosseguir, fazer uma análise mais detalhada sobre esse tipo de problema, para o qual não existe uma solução geral, sendo que cada caso (cada número de círculos) precisa ser resolvido com suas particularidades, pois depende da otimização no posicionamento de cada um dos círculos, de modo a se acomodarem no menor espaço possível. Para 2, 3 4 e 5 círculos, os arranjos das posições são intuitivos, como nas imagens abaixo:

 


O caso com 4 círculos é o mais fácil, nesse caso o tamanho mínimo necessário ao lado de um quadrado para conter 4 círculos de raio unitário é 4.

 

Fica um pouco mais difícil com 2 círculos, porque agora eles precisam ser posicionados em diagonal, para aproveitar melhor o espaço disponível, e isso requer o uso de um pouco de trigonometria no cálculo. Um círculo inscrito em um quadrado teria diâmetro igual ao lado do quadrado, e o tamanho da diagonal do quadrado seria raiz(2) vezes o diâmetro. Então colocando 2 círculos alinhados em diagonal, temos a soma dos diâmetros (2+2) e a soma dos excessos até chegar aos vértices de cada extremidade. Isso corresponde a 2+2*raiz(2). Mas isso é o tamanho da diagonal, e o que desejamos é saber o tamanho do lado, portanto temos que dividir esse resultado por raiz(2), obtendo 2+raiz(2) ou seja 3,41421356...

 

Para 5 círculos, ainda não aumenta muito a dificuldade, pois a configuração é fácil de determinar. O cálculo trigonométrico é similar ao caso de 2 círculos, porém são 3 círculos alinhados em cada diagonal, em vez de 2. O resultado é 2+2*raiz(2) ou 4,818...

 

Para 3 círculos a dificuldade começa a aumentar um pouco mais, porque agora é necessário encontrar o ângulo ótimo de rotação para aproveitar da melhor forma possível o espaço disponível. Repare que os pontos nos quais as bordas dos círculos tocam nas bordas do quadrado não são os centros de cada lado do quadrado, e a determinação correta de onde exatamente deve ser esse ponto para que o espaço ocupado seja ocupado com máxima economia já começa a introduzir certa dificuldade na questão. A resposta é 2+[raiz(2)+raiz(6)]/2 ou cerca de 3,931...

 

Embora a solução com 3 círculos não seja tão simples quanto as anteriores, ainda está num nível apenas moderado de dificuldade, por não haver necessidade de determinar como os círculos devem se encostar uns nos outros. A dificuldade principal decorre da determinação de quanto o grupo de círculos precisa ser rotacionado para aproveitar o espaço dentro do quadrado.

 

A partir de 6, 7 e mais círculos, a situação fica realmente complexa, porque não é tão simples determinar como posicionar os círculos uns em relação aos outros de maneira a melhor aproveitar o espaço disponível. O caso com 9 círculos é fácil (uma exceção), assim como 16 e 25, mas nos casos com 6, 7 e 8 a dificuldade já se torna bastante elevada, e com 10 e 11 a dificuldade é altíssima. O caso de 9 círculos é, na verdade, um “falso fácil”, porque antes de ser demonstrado que a configuração trivial é de fato a melhor, não havia como saber se havia alguma maneira mais econômica do que aquela para posicionar os círculos, e esse tipo de dúvida se revelou procedente nos casos com 49, 64, 81 etc.

 

Se você gosta de Matemática e nunca viu esse tipo de problema antes, faça uma pausa e tente você mesmo encontrar a solução para 13 círculos, para ter uma noção da dificuldade. O objetivo é calcular qual deve ser o tamanho mínimo do lado de um quadrado para que dentro dele seja possível colocar 13 círculos iguais, de raio 1, sem que nenhum círculo fique sobreposto a qualquer outro círculo nem qualquer círculo ultrapasse os limites dos lados do quadrado.

 

Pode começar resolvendo geometricamente os 6 exemplos abaixo, para os quais já tem as imagens prontas, mostrando as posições onde cada círculo deve ser colocado, bastando fazer os cálculos geométricos, que é a parte mais fácil. A parte difícil é descobrir como devem ser as posições dos círculos, porque isso exige não apenas o cálculo trigonométrico, mas também o uso de heurísticas para selecionar tentativas promissoras, testar, conferir se o resultado fica melhor do que todas as tentativas anteriores, testar outra configuração, e assim sucessivamente.

 


Nos casos de 10 e 11 círculos, mesmo tendo a parte mais difícil pronta, o cálculo trigonométrico ainda é uma tarefa difícil, porque são vários círculos e não estão em posições padronizadas, como no caso de 9 ou de 4.

 

No caso de 350 círculos com raio 1,25 cm (com os rojões de 2,5 cm de diâmetro), o lado do quadrado necessário para contê-los seria 44,72 cm. A média geométrica entre 40 e 50 é 44,72136..., portanto é uma boa aproximação estimar que um retângulo com 40x50 contenha 350 círculos. Mas não é uma estimativa tão segura, porque se tivesse 44,71 cm, caberiam 349 círculos, se tivesse 44,5, caberiam 345 círculos, ou seja, uma pequena variação no tamanho do lado do quadrado já poderia conter alguns círculos a mais ou menos, desde que modificado o arranjo para posicionar cada círculo de uma maneira diferente. A imagem abaixo mostra o arranjo ótimo das posições de 350 círculos para aproveitar da melhor forma possível o espaço dentro do quadrado com lado 44,72136:

 



 

Curiosamente, se o tamanho do quadrado fosse infinito, ficaria fácil de resolver, porque sem bordas a densidade máxima seria a mesma que a observada entre círculos dentro de hexágonos. Nessas condições, bastaria calcular a área do número de círculos e dividir pela densidade de 0,9069. Para números muito grandes de círculos, essa densidade também fornece uma estimativa aproximada, Por exemplo, para 9.503 círculos a densidade é 0,900308, portanto se usasse a densidade de infinitos círculos, o erro seria menor que 1%. De modo geral, quanto menor o número de círculos, menor é a densidade, mas nem sempre. No caso de 9503, por exemplo, a densidade é maior do que para todos os casos com 9.504 até 10.000.

 

Também é interessante constatar que a simples mudança do lado do quadrado de 44,72 para 44,5, além de reduzir o total de círculos de 350 para 345, muda completamente a configuração, conforme se pode observar na imagem abaixo e comparar com a imagem anterior: 



Quando se examina o caso específico de quantos círculos com raio 1,25 podem ser colocados dentro de um retângulo com 40x50, constata-se que na verdade o resultado é diferente do esperado com base na contagem de 350 dentro de um quadrado com lados 44,72136, cabendo na verdade 352, se forem posicionados dessa maneira:


 

No caso da plataforma, com 1450 rojões, o arranjo otimizado fica assim:


 

Para encontrar esse tipo de solução, é necessário começar testando configurações que pareçam promissoras, calcular a configuração geométrica de cada um dos círculos, para determinar o tamanho do quadrado, identificar onde há espaços vazios que poderiam ser mais bem ocupados se algumas ou todas as posições fossem alteradas, e tentar fazer essas mudanças para conferir se o preenchimento desses espaços melhora o resultado ou se cria outros espaços maiores. Para isso, a cada mudança é necessário calcular novamente a geometria relacionada à posição de cada círculo e conferir como fica o tamanho do quadrado com a nova configuração, para decidir se a mudança ajudou a melhorar ou se piorou o resultou. Com base nos efeitos dessa mudança, é necessário planejar como devem ser as próximas mudanças, até chegar ao ponto em que as tentativas de preencher os espaços reposicionando melhor os círculos não apresentem avanço na redução do tamanho do quadrado necessário. Isso geralmente indica que se chegou à melhor solução possível, embora muitas vezes possa indicar apenas um mínimo local. Isso pode ser feito por uma rede neural, um algoritmo genético ou alguma outra ferramenta de otimização.

 

Agora que já vimos vários exemplos e um pouco da história sobre esse tipo de problema, podemos perceber que não é nada simples. Mas se tivesse simplesmente comentado que caberiam 350 rojões sob um assento, poder-se-ia ficar com uma subestimativa das dificuldades envolvidas, pois é muito fácil se iludir achando que todos os arranjos seriam como na imagem abaixo, quando na verdade nem mesmo os quadrados perfeitos acima de 49 são assim:

 





 

Para 49 a situação muda, sendo possível encaixar 49 círculos com diâmetro 1 num quadrado com lado 6,975x6,975, não sendo necessário o tamanho de 7x7. A configuração fica desse jeito:

 


 

Num quadrado medindo 8x8 é possível colocar 68 círculos de diâmetro 1, em vez de 64, se forem posicionados assim:

 



 

E num quadrado medindo 9x9 é possível colocar 86 em vez de 81, organizando-os assim:

 


 

Além de círculos dentro de quadrados ou retângulos, a situação pode se tornar bem mais complexa colocando esferas dentro cubos ou de prismas paralelepipetoidais, ou figuras genéricas dentro de outras figuras genéricas, inclusive variando tamanho e forma. A maneira como as empresas colocam produtos dentro de caixas geralmente está longe de ser otimizada. Laranjas dentro de caixas, sabonetes, frascos com bebidas, entre muitos outros itens, poderiam ser acomodados de modo a aproveitar melhor o espaço disponível, com economia de combustível, espaço etc., além de reduzir risco de que quebrem ou amassem durante o transporte e armazenamento. Em alguns casos a economia pode ser maior que 10%, além da economia de reduzir o número de itens danificados.

 

A DIFICULDADE POR TRÁS DA APARENTE SIMPLICIDADE

 

O problema de determinar o número máximo de círculos que caberiam dentro de um quadrado ou retângulo é muito interessante, muito complexo, muito difícil e ilustra bem a situação que gostaríamos de destacar, sobre problemas que podem parecer simples, à primeira vista, mas só parecem simples porque não se tentou resolvê-los. Quando se começa a trabalhar na resolução, percebe-se que são muito mais difíceis e mais complexos do que pareciam. O Mercado Financeiro é um exemplo disso no mundo real, cuja complexidade e a dificuldade é muitas ordens de grande maior do que aparenta ser. Por isso quando uma pessoa tenta modelar o Mercado usando ferramentas elementares como níveis de Fibonacci, indicadores tradicionais e similares, é como tentar voar para a Lua montado numa cadeira com rojões por baixo. Se a pessoa não tem uma noção clara sobre a real dificuldade do problema, pode parecer uma tentativa plausível, mas se a pessoa tiver alguma noção do quanto o problema é difícil e complexo, achará esse tipo de tentativa uma piada.

 

Não é à toa que muitos acadêmicos ainda discutem se é possível ganhar no Mercado. A maioria dles nem sequer está tentando desenvolver uma ferramenta específica para tentar ganhar. Eles estão debatendo se poderia existir alguma ferramenta, real ou imaginária, capaz de oferecer alguma chance concreta de ganhar. Quando Newton formulou a Teoria da Gravitação, ele também mostrou que era possível ir à Lua, mas ainda estava muito longe de resolver o problema de como ir à Lua.

 

Por isso é que nos investimentos também precisamos saber se é possível ganhar, antes de começar a investir, caso contrário seria uma luta sem qualquer possibilidade de vitória. A proposta desse artigo é justamente essa. Não se trata de um critério para avaliar se uma estratégia específica funciona. A proposta é muito mais abrangente: determinar se pode existir alguma estratégia lucrativa.

 

Vou antecipar a resposta: existem instrumentos financeiros nos quais é possível ganhar, outros nos quais não é possível, e outros nos quais é possível em determinados períodos, mas não em todos os períodos, ou é possível em determinadas circunstâncias, mas não em todas as circunstâncias. Diante a essa situação, identificar corretamente quais são os investimentos mais promissores é fundamental para que se possa operar com segurança e estabilidade.

 

Por isso, antes de iniciar qualquer empreendimento, seja construir uma pirâmide ou viajar à Lua – é importante assegurar que esse projeto esteja em conformidade com as leis da Física, com os fundamentos da Matemática e com outros fatos contra os quais não se pode lutar, caso contrário, o objetivo nunca poderá ser alcançado.

 

SUBESTIMATIVAS DE DIFICULDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS

 

Por volta de 2600 a.C., quando o faraó Sneferu ordenou a construção de uma das primeiras pirâmides do Egito, houve vários erros de planejamento e a obra simplesmente desmoronou. Ele ainda ordenou que fosse feito um remendo por cima, mas não ficou muito bonito. A foto abaixo mostra o resultado de sua obra, que ficou conhecida como “pirâmide colapsada”:

 


 

Em seguida, Sneferu fez outra tentativa, mas dessa vez foi um pouco mais prudente, fez algumas mudanças de planos durante a execução do projeto, alterando a inclinação da estrutura antes que desmoronasse. O resultado ficou um pouco melhor, sendo essa obra conhecida como “pirâmide torta” ou “pirâmide curvada”:

 



Em sua terceira tentativa, finalmente fez uma pirâmide mais bem planejada, provavelmente seguindo as orientações dos melhores engenheiros e arquitetos de sua época, que ainda desconheciam alguns conceitos que só seriam descobertos 2600 anos depois, pelo arquiteto romano Vitrúvio, e só seriam explicados fisicamente 4200 depois por Galileu. Mas mesmo sem compreender bem os motivos, aprenderam por tentativa e erro como deveria ser feito, e foi construída a “Pirâmide Vermelha”:

 



 

Estima-se que cada uma dessas construções levou mais de 10 anos, e se falhasse também na terceira tentativa, não lhe restaria tempo de vida suficiente para mais uma.

 

Por volta de 2570 a.C., o filho de Sneferu, Quéops, construiu a maior e mais famosa pirâmide, um pouco mais alta e com ângulo um pouco mais agudo, sendo considerada uma das 7 maravilhas do mundo antigo, e durante muitos séculos foi a construção mais alta produzida pela humanidade.

 

Antes da construção da grande pirâmide de Quéops, o terreno foi cuidadosamente preparado sobre um leito rochoso de cerca de 6 m de espessura, aplainado com excelente precisão para os padrões da época (erro RMS 0,8 cm e erro pico-ao-vale 2,1 cm, medidos nas bordas). Foram feitos vários furos na rocha em volta da pirâmide, possivelmente para colocar hastes de suporte e impedir que os blocos escorregassem durante o empilhamento. Provavelmente foram tomados diversos outros cuidados, a maioria dos quais não temos como saber porque os registros que sobreviveram não são suficientemente detalhados. Esse planejamento cuidadoso mostrou-se mais eficiente do que os projetos anteriores. Enquanto Sneferu precisou de 3.570.000 m^3 de rochas para suas 3 construções, entre as quais a mais bem-sucedida tem 104,5 m de altura, Quéops só preciso de 2.580.000 m^3 para fazer a maior das pirâmides do Egito, com 138,2 m de altura (146.6 m na época em que a construção ficou pronta).

 

Abaixo podemos ver uma foto atual da grande pirâmide de Quéops e uma representação artística de como se acredita que ela era na época de sua construção, coberta com calcário branco e, de acordo com algumas versões, com um cume dourado.

 



 

Dispondo de vastos recursos financeiros e de dezenas de milhares de colaboradores, os assessores dos faraós aprenderam como construir pirâmides, ao longo de algumas décadas de tentativas e erros. Mas as técnicas necessárias já eram conhecidas cerca de um século antes. Por volta de 2670 a.C., um dos maiores polímatas da história e o mais famoso polímata da Antiguidade egípcia, Imotep, já havia construído uma pirâmide mais modesta (63 m de altura) para o faraó Djoser, com planejamento adequado e um resultado positivo desde a primeira tentativa. Embora Imotep não tivesse nenhuma obra anterior na qual pudesse se basear, sua compreensão dos conceitos físicos e seus conhecimentos matemáticos lhe conferiram uma vantagem importante em relação aos que o sucederam, permitindo-lhe que executasse uma tarefa inédita com sucesso, enquanto outros falharam mesmo dispondo de exemplos sobre como deveriam proceder.

 

ERROS DE AVALIAÇÃO NO MERCADO FINANCEIRO

 

O desafio de criar uma estratégia para ganhar no Mercado Financeiro pode ser comparado ao de construir uma pirâmide, sendo mais difícil em alguns aspectos, menos difícil em outros. A grande maioria das pessoas subestima essa dificuldade devido à síndrome de Dunning Kruger, mas todas as pessoas que já se aprofundaram seriamente no estudo das propriedades do Mercado de Capitais e já tentaram utilizar as mais sofisticadas ferramentas matemáticas para isso, sabem que é uma tarefa extraordinariamente difícil, a tal ponto que alguns pesquisadores chegaram à conclusão de que é impossível. Muitas pessoas acham que basta fazer um curso de fim de semana no qual aprendem a desenhar os níveis de Fibonacci, LTAs e LTBs, para ganhar no Mercado, assim como alguns chineses do século X d.C. acreditavam que poderiam colocar uns rojões embaixo de uma cadeira e subir voando até a Lua. No mundo real, quase sempre as coisas são mais difíceis e mais complexas do que parecem. Em nosso artigo sobre o fundo dos ganhadores do Nobel, também são analisados vários tópicos relacionados a esse tema. https://www.saturnov.org/news/ltcm

 

Em 2005, eu participava de alguns grupos de debates sobre Filosofia, Estatística, Economia, Física, Astrofísica, Cosmologia, Xadrez e outros temas. Depois de postar algumas mensagens num grupo de Estatística, a diretora do CONRE-3 (Conselho Regional de Estatística, Região 3) me fez alguns elogios e quis me conhecer pessoalmente. Convidou-me para ir à USP, onde ela e o marido lecionavam, o marido estava pesquisando sobre movimento browniano em meios heterogêneos, sem relação direta com investimentos, mas boa parte do pessoal do IME trabalhava em tópicos ligados à Bolsa de Valores. Uma das pessoas que ela me apresentou era um professor que fazia pesquisas sobre sistemas dinâmicos com aplicações no Mercado, e ele passou um tempo razoável tentando me convencer de que não era possível desenvolver estratégias lucrativas.

 

Argumentei que Buffett vinha ganhando consistentemente desde 1956, o que não seria uma possibilidade razoável se Buffett estivesse contando apenas com a ajuda da sorte. Além disso, há um argumento essencialmente matemático que demonstra ser possível ganhar consistentemente a longo prazo: o coeficiente de Hurst no EURUSD é, em média, 0,59. Antes de explicar o que significa esse coeficiente, é importante enfatizar que embora a avaliação dele sobre ser impossível ganhar estivesse incorreta, a percepção que ele tinha sobre a dificuldade e a complexidade do problema era muito mais próxima da correta do que a percepção da maioria das pessoas.

 

Sob o ponto de vista de criação intelectual, a dificuldade para modelar o Mercado não é muito diferente da dificuldade para construir as primeiras pirâmides numa época na qual os recursos tecnológicos eram escassos e primitivos. O problema de modelar o Mercado é um dos mais difíceis que existem, por isso há tão poucas pessoas no Brasil com histórico verdadeiramente positivo por mais de 10 anos.

 

Outro ponto importante é que o fato de ser possível ganhar em alguns instrumentos financeiros não significa que seja possível em todos os instrumentos financeiros. De fato, não é. Há uma lista de condições que precisam ser atendidas para que seja possível ganhar. É necessário verificar a estacionariedade, ergodicidade, isotropia, homoscedasticidade, etc., em diferentes escalas, em diferentes períodos, e como essas propriedades variam ao longo do tempo. Além dessas métricas, o coeficiente de Hurst também oferece indicativos úteis para uma análise mais completa, e nesse artigo trataremos principalmente disso.

 

Quando se examina os instrumentos financeiros negociados por Buffett em seus anos áureos, por exemplo, constata-se que os ativos de seu portfolio apresentavam determinadas propriedades. Quando se examina os ativos negociados por Ed. Seykota, James Simons, Bruce Kovner, George Soros, cada um deles e seus períodos mais prósperos, pode-se encontrar as mesmas propriedades! Além disso, quando se examina uma amostra aleatória de outros ativos que não estão presentes nas carteiras desses investidores, percebe-se que quase todos não apresentam as tais propriedades. Isso revela alguns fatos importantes. Em primeiro lugar, o objetivo correto a ser perseguido não é copiar as carteiras desses investidores, mas sim procurar por instrumentos financeiros que tenham as mesmas propriedades daqueles que eles negociaram em seus momentos mais lucrativos. Obviamente isso não é nada simples, inclusive porque o objetivo não é identificar quais ativos tiveram essas propriedades nos anos anteriores, mas sim quais desses ativos sinalizam que terão essas propriedades nos próximos anos.

 

Entre as propriedades tipicamente observadas em ativos negociados por Buffett, uma delas é justamente ter o coeficiente de Hurst fora do intervalo 0,45 a 0,55. Em seus melhores anos, Buffett escolhia investimentos que apresentavam coeficiente de Hurst em torno de 0,6. Veja nosso artigo sobre Buffett, o investidor que completou mais de 15.000.000% de lucro acumulado em 2022: https://www.saturnov.org/news/buffett, Provavelmente Buffett não usava o coeficiente de Hurst como critério, mas os ativos que ele escolhia apresentavam essa característica.

 

O que há de tão especial no coeficiente de Hurst? Na verdade, não é tão especial, inclusive há ferramentas mais completas, mais estáveis, mais precisas e mais acuradas para finalidades semelhantes, porém o coeficiente de Hurst tem o mérito de ser um dos mais simples e de mais fácil aplicação, o que o torna muito popular em vários estudos.

 

O COEFICIENTE DE HURST

 

O coeficiente de Hurst, também chamado expoente de Hurst, mede como os incrementos nos movimentos longos e curtos se distribuem numa série temporal com propriedades similares a um processo de Wiener, porém marcada pela heteroscedasticidade e anisotropia. Quando o coeficiente de Hurst é 0,5 ou muito semelhante a 0,5, indica que não é possível ganhar. Quando é muito menor que 0,5, indica que é possível ganhar operando contra a tendência. Quando é muito maior que 0,5, sinaliza que é possível ganhar operando a favor da tendência. Vejamos algumas imagens para compreender melhor:

 

Nesse primeiro gráfico temos cotações do EURUSD em 10/10/2022:

 



Essa é uma situação típica, que ocorre mais de 90% do tempo, na qual não existe oportunidade de operar. Qualquer operação realizada nessa situação teria aproximadamente 50% de probabilidade de acerto com profit ratio 1:1, e como há custos com spreads, corretagens etc., a longo prazo resultaria em perdas.

 

O problema de cenários com esse perfil mercadológico é que as distribuições dos tamanhos dos incrementos grandes e pequenos ocorre de tal maneira que tanto faz tentar operar contra a tendência ou a favor da tendência. Não há nenhuma assimetria que favoreça nenhum tipo de estratégia.

 

Agora vejamos esse outro exemplo em 23/01/2003:

 


 

É uma situação muito diferente e é muito fácil perceber que os movimentos curtos são relativamente longos se comparados aos movimentos longos. Isso indica que é muito fácil ganhar com scalping nesse cenário, operando contra a tendência, porque as cotações sobem e descem muitas vezes numa amplitude estreita antes de se produzir um movimento mais longo. Isso significa que, se não houvesse taxas nem spreads, ou se a soma das taxas e dos spreads fosse suficientemente pequena, bastaria realizar muitas operações curtas e colocar stops comparativamente mais longos para ganhar com grande facilidade. O problema é que quando se considera os tamanhos dos spreads + commissions + swaps, os ganhos não seriam suficientes para pagar as taxas.

 

Em 2009, durante mais de 8 meses, houve uma oportunidade incomum de ganhar em EURCHF aplicando estratégias baseadas nessa anomalia, porque as amplitudes dos movimentos curtos, a frequência com que ocorriam, e a amplitude dos movimentos longos, esse conjunto de fatores produziu uma configuração suficiente para cobrir taxas + spreads + swaps. Essas podem ser oportunidades muito atraentes, mas são temporárias e não se sabe quando vão terminar. Podem durar anos, meses, dias, e podem acabar repentinamente, resultando em perdas tão rápidas quanto os ganhos. Entre 1999 e 2006, há indícios de que houve um longo período no qual se configuraram oportunidades de ganhos em EURCHF, o que é especialmente perigoso, porque apoiado na crença de que tais períodos devem durar 7 anos ou alguns anos, pode-se facilmente se iludir no período de 2009, que durou apenas 8 meses. Poderiam ter sido 8 dias. Essa imprevisibilidade praticamente aniquila a possibilidade de estratégias que tentem explorar esse tipo de cenário. Se nosso propósito é o ganho consistente a longo prazo, essas tentativas especulativas devem descartadas.

 

Agora vejamos o exemplo mais importante, de 07/12/2018. É o mais importante porque no exemplo 1 não é possível ganhar, mostra apenas uma situação na qual não se deve operar, isso evita perder, mas não ajuda a ganhar. O exemplo 2 mostra uma situação na qual é possível ganhar, mas é rara, imprevisível e instável, podendo começar e terminar a qualquer momento. O exemplo 3 mostra precisamente o tipo de cenário no qual se consegue ganhar consistentemente a longo prazo.

 


À primeira vista, pode-se ter a impressão de que esse gráfico é estatisticamente muito parecido com o primeiro, e realmente é, mas há um detalhe fundamental que o torna muito especial: nesse caso o cenário indica a possibilidade de operar na direção da tendência, e a principal vantagem disso é que a situação anterior é uma anomalia que surge e desaparece esporadicamente, enquanto essa situação é típica desde o ano 1885 no índice Dow Jones e desde 1971 em Forex, estando presente em muitos outros instrumentos financeiros em intervalos de décadas ou mesmo séculos.

 

É preciso deixar claro que esse tipo de situação não está presente 100% do tempo, nem sequer em 10% do tempo, mas ao longo de um período de 24 meses geralmente ocorrem dezenas de situações como essa, entre quais cerca de 20% são lucrativas. Isso vale para quase qualquer biênio considerado, com poucas exceções.

 

Mas qual é a vantagem de um padrão que só acerta 20% das vezes? A vantagem é gigantesca, porque nos 80% restantes, há 40% de acertos por sorte e 40% de erros por azar, totalizando 40% + 20% de acertos, ficando com 60% de acertos contra 40% de erros, com operações de mesmo tamanho. Além disso, há ligeiros aprimoramentos que podem ser feitos na gestão de capital, de modo a otimizar os ganhos conforme as particularidades da situação. Por exemplo: em vez de acertar 60% das vezes com cada operação tendo mesmo tamanho de cada perda, pode ser mais vantajoso optar por uma configuração que acerte 45% das operações com cada ganho tendo 2 vezes o tamanho de cada perda. Vejamos:

 

Caso 1:

60% de acertos entre 100 operações, cada acerto ganha $ 10.000: total $ 600.000

40% de erros entre 100 operações, cada erro perdendo $ 10.000: total $ 400.000

Ganho total: $ 200.000.

 

Caso 2:

45% de acertos entre 100 operações, cada acerto ganha $ 20.000: total $ 900.000

55% de erros entre 100 operações, cada erro perdendo $ 10.000: total $ 550.000

Ganho total: $ 350.000.

 

No segundo caso, houve mais erros do que acertos, porém cada acerto ganhou $ 20.000 enquanto cada erro perdeu $ 10.000, gerando um lucro total maior do que no primeiro caso.

 

A proporção ideal entre os tamanhos dos erros e acertos é determinada no processo de otimização, no qual são testadas milhares ou mesmo milhões de configurações diferentes. As otimizações também prestam-se a muitas outras finalidades, pois todos os outros parâmetros relacionados aos processos decisórios da estratégia, ao gerenciamento de risco, aos dispositivos para interrupção de perdas etc., todos são determinados durante a otimização. Em seguida, há um processo de validação, que consiste em verificar como a estratégia otimizada em determinado período se sai ao ser colocada num período diferente. Por exemplo: a otimização é realizada entre 1986 e 2000, testando diferentes valores para cada parâmetro até encontrar os valores que produzem os melhores resultados. Feito isso, a etapa de validação consiste em verificar como cada uma das melhores configurações se sai no período de 2001 a 2022, pois o objetivo não é saber como a estratégia funcionou no passado, mas sim usar dados do passado para estimar como a estratégia funcionará no futuro. Se a estimativa for eficiente, espera-se que entre 2001 e 2022 os resultados sejam semelhantes ao que haviam sido no período de 1986 a 2000, ou só um pouco piores, porque no treinamento de 1986 a 2000 o sistema aprendeu a reconhecer padrões gerais que ocorrem em qualquer época e padrões específicos que só aconteceram entre 1986 e 2000. Desse modo, é natural que entre 2001 e 2022 os resultados não fiquem tão bons quanto foram no próprio período de otimização porque só uma parte do que foi aprendido pelo sistema terá como ser reaproveitado.

 

Claro há uma série de complicações nisso, porque quanto mais longo for o período de otimização, mais vasto e mais completo será o aprendizado, por treinar com uma variedade mais ampla de cenários. Por outro lado, menor será o período restante para fazer a validação e menor será a confiabilidade em que os resultados estão suficientemente livres de overfitting. Esse artigo não tem a finalidade de discutir detalhes sobre backtests e otimizações, por isso não nos aprofundaremos nisso. Quem tiver interesse em mais detalhes, poderá encontrar em nossos outros artigos que abordam especificamente esses temas. O que pretendíamos mostrar aqui é que em algumas situações pode ser mais vantajoso ter operações lucrativas em menor quantidade, porém mais longas, ao passo que em outras situações pode ser o contrário. O importante é que o exemplo de 60% a 40% é ilustrativo, mas não representa necessariamente a melhor configuração, embora possa ser a melhor configuração em alguns casos.

 

Feitos esses esclarecimentos, podemos retomar a explicação sobre o coeficiente de Hurst. Conforme vimos, no caso do EURUSD o coeficiente de Hurst de longo prazo é 0,59, portanto estratégias seguidoras de tendência têm melhores possibilidades de sucesso nesse par de divisas. Na verdade, até mesmo operações aleatórias apostando na tendência tendem a ficar ligeiramente positivas em EURUSD, devido a essa propriedade, porém os ganhos com operações aleatórias, explorando apenas o fato de o coeficiente de Hurst ser 0,59, depois de descontar spreads, commissions e swaps, resulta num lucro médio de apenas 0,48% ao ano, um resultado bem pouco atraente. Por isso é útil conhecer o coeficiente de Hurst do ativo no qual se vai operar, para decidir entre usar uma estratégia seguidora de tendência ou contrária à tendência, mas não se pode tomar com base apenas essa informação. Para auferir ganhos substanciais, é necessário fazer uma análise muito mais completa e profunda, mesmo porque o coeficiente de Hurst é uma ferramenta primitiva e bem pouco informativa, que proporciona uma visão panorâmica do Mercado, com atualização lenta e incerteza muito grande, baixa especificidade sobre os parâmetros que precisam ser determinados e algumas outras limitações. Mas para fins didáticos é muito útil para mostrar visualmente e numericamente o tipo de propriedade que pode auxiliar no desenvolvimento de estratégias verdadeiramente eficientes.

 

O critério usado pelo Saturno V é baseado numa métrica de autoria própria, que envolve 4 variáveis combinadas: três delas são semelhantes ao coeficiente de Hurst, mas medem aspectos separados e de maneira mais completa e mais acurada que o coeficiente de Hurst, determinando não apenas se os movimentos mais curtos estão mais longos do que “deveriam” ou o contrário, mas também determinando em quais escalas isso está ocorrendo, de que maneira isso está variando ao longo do tempo e estimando como continuará variando nos próximos minutos, horas e dias. Algumas dessas variáveis não estão incorporadas ao Saturno, nem teria como, porque são muito lentas para serem calculadas, devido à complexidade, o que tornaria as otimizações inexequíveis. Por isso são usadas apenas num estudo preliminar para investigar as propriedades do Mercado.

 

É muito importante destacar que nada disso tem relação com qualquer dos indicadores técnicos, fundamentalistas, padrões de candles nem nada similar. São análises das propriedades reais do Mercado, que possibilitam uma compreensão detalhada da “anatomia” do instrumento financeiro que se deseja conhecer, suas medidas e os traços essenciais de como se comporta. Isso é completamente diferente das superstições sobre determinados indicadores, conceitos e padrões, que a grande maioria dos gestores utiliza sem antes testar de forma sistemática para verificar se realmente funcionam. Ou testam de forma superficial e ingênua, fazendo interpretações incorretas dos resultados.

 

A importância do coeficiente de Hurst não está em sua aplicação direta para auferir algum lucro, mas sim na demonstração formal de que é possível ganhar no Mercado. Também contribui para selecionar instrumentos financeiros nos quais é possível ganhar. Em alguns casos marcados por sazonalidades bem definidas ou por ciclos suficientemente regulares, também pode ser usado para determinar em quais períodos convém operar e em quais não convém. Mas o principal é que a partir do coeficiente de Hurst se pode derivar ferramentas melhores, mais sensíveis e mais ágeis, capazes de determinar em quais momentos se deve operar e em quais momentos se deve ficar apenas monitorando os movimentos à espera de oportunidades. Os resultados práticos disso são muito expressivos, embora algumas vezes se possa enfrentar sérias dificuldades em cenários inéditos muito peculiares, como ocorreu nessa pandemia.

 

Quando a pandemia começou, a versão do Saturno V que estava nas contas era a T274z, que se destaca das anteriores pelo uso de critérios bastante ágeis para acompanhar mudanças de cenário. Ironicamente, essa característica se revelou desvantajosa. A partir de março de 2020, foram desenvolvidas várias versões com a finalidade específica de se adaptarem às hostilidades incomuns da pandemia, não tão rapidamente a ponto de reagir a falsos positivos e não tão lentamente a ponto de ficarem com parâmetros obsoletos diante às rápidas mudanças. Foi uma luta difícil e apanhamos durante mais de um ano até superar as dificuldades. Além das novas versões, foram testadas algumas das melhores versões antigas, entre as quais a 691f e a T124d. Ambas foram reativadas e a T124d foi a que se mostrou mais versátil e robusta, superando inclusive as versões mais recentes. Se ela tivesse sido utilizada desde o início da pandemia, não teríamos enfrentado as perdas que ocorreram nesse período. Foram realizados testes comparando várias configurações da T124d e da T274z, resultando em ligeira vantagem da T274z entre 1986 e 2019, mas uma gigantesca vantagem da T124d a partir de 2020. Então essa versão voltou a ser utilizada.

 

Um detalhe muito importante é que a T124d usando configurações baseadas em otimizações realizadas em 2014 funcionava melhor em 2021 do que a T274z baseada em otimizações realizadas em 2021. A T124d era nativamente muito mais versátil e robusta, sendo que uma das vantagens estava exatamente na ausência de alguns “aprimoramentos” que aumentavam a sensibilidade a mudanças de cenário.

 

Foram realizados pequenos aprimoramentos, sem mudança na estratégia e preservando praticamente todos os parâmetros associadas aos sinais de entrada e saída. Com isso chegamos à versão T124q4, cujos resultados se revelaram disparadamente os melhores a longo prazo e a curto prazo. A partir do final de 2021, com mais de 75% das pessoas vacinadas e a Economia voltando ao normal, o cenário geral também ficou mais favorável para o Saturno, o que tornaria difícil avaliar em que medida a melhora foi produzida pelo uso da versão T124d e em que medida foi devida à normalização do mercado. Certamente ambos os fatores contribuíram, mas o fato é que se a versão T124d tivesse sido usada desde o início da pandemia, os resultados nesse período teriam sido “normais”, sem as perdas dolorosas que se arrastaram por mais de 1 ano. O gráfico abaixo mostra os resultados dessa versão em backtests entre dezembro de 1986 e setembro de 2022:

 


 

Na imagem acima, o gráfico principal está em escala logarítmica para facilitar a visualização dos resultados mais antigos, e o gráfico auxiliar (com fundo azul) está em escala aritmética para facilitar a visualização dos resultados mais recentes.

 

Conforme se pode observar, a duração média das operações é 8,2 horas, e foram executadas 1704 operações num intervalo de 35,7 anos. Considerando um ano típico de 252 dias úteis, significa que num período de 216.000 horas o Saturno V esteve apenas 14.000 horas posicionado e 202.000 horas aguardando alguma oportunidade para operar. Ou seja, essa versão fica 6,47% do tempo posicionada e 93,53% do tempo esperando por uma oportunidade de operar.

 

Isso acontece por uma razão muito simples: enquanto o Mercado está aleatório, o que acontece durante mais de 90% do tempo, o Saturno permanece monitorando as cotações. Quando se formam configurações especiais de assimetria para que os preços tenham maior probabilidade de seguir em determinada direção, ele dispara um alerta, e aguarda um segundo disparo de confirmação. Se o segundo disparo ocorrer, ele entra na direção do movimento. Tem que ser assim porque durante mais de 90% do tempo o Mercado não oferece oportunidade de operar. Há versões do Saturno V que chegam a ficar apenas 3,1% do tempo posicionadas e 97% do tempo aguardando.

  

Outro detalhe importante é que o Saturno V acerta 45,36% das operações. Significa que ele erra a maioria, mas a cada vez que acerta, ele ganha muito mais do que em cada vez que ele erra, por isso o profit fator é 1,89. Essa é uma característica importante e que precisa ser bem compreendida, porque está relacionada ao tamanho das operações e à necessidade de não interferir nas operações. Durante o período de perdas da pandemia, algumas pessoas optaram por fechar manualmente algumas operações, o que é bastante compreensível, dado o caos que havia se instaurado. Mas com a renormalização da situação, se o Saturno V acerta 45% das vezes e ganha, em média, 11% em cada operação lucrativa, e erra 55% perdendo 6% por operação negativa, então não se pode ficar fechando as operações positivas quando o lucro chega a 1% ou 2%, porque isso fatalmente resultará em prejuízo a longo prazo.

 

Essa característica de ter operações lucrativas um pouco menos frequentes que as negativas, mas ao mesmo tempo ter operações lucrativas muito mais longas que as negativas, está diretamente relacionada ao coeficiente de Hurst no EURUSD, pois se o coeficiente de Hurst é maior que 0,5 significa que os movimentos longos são mais longos que os mais curtos numa proporção maior do que a observada num processo de Wiener. Com H=0,59, como acontece no EURUSD, significa que a longo prazo até mesmo operações aleatórias poderiam gerar lucro em EURUSD desde que cada objetivo de lucro fosse um pouco maior que cada stop. Por exemplo: stops de 40 pips e take profits de 65 pips, com entradas aleatórias, dependendo dos tamanhos dos spreads, commissions e swaps, acaba gerando lucros a longo prazo, é um lucro pequeno, menor que 1% ao ano, mas é um indicativo nítido de que não se pode fazer o contrário, isto é, fechar com lucros menores que os stops, o que resultaria em perdas a longo prazo. Quando essas propriedades são acompanhadas de uma estratégia eficiente, os resultados tornam-se substancialmente melhores.

 

Nesse artigo https://www.saturnov.org/artigosv/impacto-pandemia há um estudo sobre tamanho dos candles que indica basicamente o mesmo que o coeficiente de Hurst: os candles maiores são maiores do que o esperado, enquanto os menores são menores que o esperado. Num processo de Wiener, os candles de 240 minutos deveriam ser raiz(240) maiores que os candles de 1 minuto, isto é, 15,49x, e deveriam ser raiz(1440/240) menores que os candles de 1 dia, isto é 2,45 vezes. Mas o que se observa é que os candles de 1 minuto antigamente (1986) eram cerca de 9,8 vezes menores que os 240 minutos, portanto eles eram maiores do que deveriam ser, e em 2021 eram 18,95 vezes menores, portanto maiores do que deveriam ser. Nos casos dos candles de 1440, tanto em 1986 quanto em 2021, e todos os períodos intermediários, sempre estiveram maiores do que deveriam ser, variando de 2,5 vezes a 3,11 vezes. Isso reflete precisamente o que foi medido no processo de Wiener, com alguns detalhes complementares. Entre 1986 até cerca de 2010, para operações curtas poderia ser mais interessante operar contra a tendência, sendo esse efeito particularmente notável entre 2002 e 2005, com um surto no tamanho típico dos candles curtos, enquanto o tamanho médio dos candles mais longos (4h e 1 d) não apresenta esse mesmo comportamento.

 






Isso faz com que nesse período tenha ocorrido uma oportunidade interessante de operações contra a tendência, desde que os custos com commissions, spreads e swaps não fossem impeditivos. Logo em seguida, em 2008, observa-se um efeito contrário, os candles curtos ficam mais curtos, enquanto os longos ficam mais longos. Isso está associado a um aumento no coeficiente de Hurst e, portanto, com melhores oportunidades para operar na direção da tendência. Embora o coeficiente de Hurst e os tamanhos dos candles não sejam, nem de longe, os critérios mais adequados para esse tipo de análise, são bastante didáticos para descrever os efeitos que gostaríamos de mostrar, efeitos estes que precisam ser considerados quando se deseja avaliar se em determinado instrumento financeiro existem oportunidades reais de lucro a longo prazo. Além disso, pode-se ter uma ideia correta sobre como se deve tentar analisar o Mercado, com base em suas reais propriedades, em vez de fantasias sobre figuras formadas por candles ou similares. Claro, essa é uma análise extremamente resumida e simplista, mas proporciona uma breve introdução ao tema.



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